quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Estação da Saudade

Ainda que venham através dos trilhos,
Os vagões com lembranças de um tempo que ainda não passou.
Serão dias de viagens de crianças a uma Terra do Nunca.
Estação da saudade.

Dias que se passam e fazendas que se vão,
Passageiros que entram e depois nunca mais embarcam.
Bilhetes para o infinito atrás dos túneis.
Estação da saudade.

Fotos da única praia em que esteve;
Distante e calma como o paraíso.
O Sol está em sintonia com o mar.
Estação da saudade.

Uma única vez a menina irá brincar de boneca
E admirar o menino no banco de trás com seu estilingue.
Estação da saudade.

Chegará o dia em que os trilhos se acabarão.
A menina irá crescer, o menino também.
A praia secará e o Sol dará lugar à Lua.
Os túneis não terão mais fim e os passageiros desaparecerão.
A estação se chamará Saudade.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Rita



O telefone incessantemente tocava naquele pequeno quarto de hotel. Alugado a algumas notas velhas de dinheiro, não valia pelo que havia pago nele.

Chegara na cidade há poucos dias. Procurava incansavelmente pelo seu mais precioso objeto, protegido por décadas dentro de uma caixa de madeira. Procurava em vão qualquer alma que pudesse satisfazer a curiosidade.

O anúncio publicado no jornal atiçava a curiosidade daqueles que viriam a ser seus vizinhos, seus cúmplices na busca do que imaginavam ter algum valor pela sua importância descrita. Eram poucas linhas, mas que chamavam a atenção: “Caixa, pequena, com ornamentos talhados artesanalmente. Conteúdo precioso. Há várias gerações na família. Gratifica-se”.

Descrição pouco importava a ele que trajava impecavelmente seu habitual terno. Levava consigo uma pasta preta a qual os malandros cobiçavam. Em bares, enfrentou brigas, discussões animadas com bêbados e donos do carteado. Brigava para ser o homem das amantes de cafetões. Sabia se proteger, tanto pelo porte físico avantajado como pela lábia impecável de um viajante.

Amava as mulheres todas as noites desde que desembarcara na estação bem ao centro daquela decadente cidade, puxada pela ferrovia e riquezas do café. Sentia saudades de acordar menino, arrumar-se obrigatoriamente e saciar a fome com pão, café e leite. Adulto, já não mais perde tempo com bobagens ao acordar todas as manhãs ao lado de uma mulher diferente.

Soube da cobiça pecadora daquela jovem. Ele, que gostara dela no momento em que entrou e apoiou-se sob o balcão do bar. Loira, fatal, não tinha idade de ser mãe. Também não era por menos mais uma menina. Sabia do que os homens gostavam e como seduzi-los numa batalha de interesses, no suspense de um flerte de pôquer.

A princípio não dera bola àquela elegância do chamado “forasteiro da caixa”. Não quis saber da sedução naquele momento. Ele, que desprezava todos não demorou em seu pedido. Pinga. Nada mais. Ao colocar o copo na boca passou então a vislumbrar mais uma possível conquista. Percebeu em movimentos circulares do copo pela boca que o corpo era mais uma forma de atração nas mulheres. Ela sabia demais.

Não trocaram mais olhares nas horas seguintes que prosseguiu naquele bar. Imaginou o perfume que a decaída jovem talvez usasse. Imaginou com quantos saíra naquele dia ou na noite passada.

Descobriu através do cochicho do balconista que seu nome era Rita. Nenhum sobrenome ou vida anterior que conhecesse. Chegara também na cidade no mesmo trem que o trouxera.

Animou-se por serem dois forasteiros. Pagou pela pinga de horas atrás. Levantou-se e sem vergonha alguma abraçou e falou em voz baixa seu nome a Rita. Ela sorriu aos olhos do viajante.

O crepúsculo dava lugar à noite. Nada mais na rua chamava a atenção do que os passos apressados de um homem e mulher, estranhos aos caipiras. Falaram-se por longas horas. Bobagens, vantagens, casos e vulgaridades dóceis que a conquistaram.

O quarto, com seus móveis velhos, tornou-se local de conquista e gozo para mais uma noite de luxúria e perdição. Mas a caixa, aquele que Rita sabia o nome de cochicho, continuava a procurar todos os dias.

Na manhã seguinte, com o sangue nas mãos, a fatalidade estaria consumada e a cartada, enfim, certeira. Dissera a ela que ninguém sabia da caixa. Confidenciou o conteúdo do tesouro. A princípio a enganara, pois na loucura escondeu seu tesouro debaixo da cama. Enganou a todos, a ladrões, cafetões e malandros. Mas nunca mais faria Rita de idiota.

O telefone tocava incessantemente naquele pequeno quarto de hotel. Já era metade da manhã. Nua, Rita caminhou levemente pelo quarto. A faca na mão serviu como chave, tanto para a valise quanto para a caixa. Notas de cruzeiros que não mais valiam jogou pela janela. Dentro da caixa, envolta em um pano branco, amarelado pelo castigo do tempo, encontrava-se em perfeito estado o crânio de uma mulher.

Após eternos instantes vestiu-se demoradamente. Beijou o homem de sua vida na tarde anterior; abriu a porta e descendo as escadas, sorriu de felicidade.

O gigante e a formiga

Em uma terra distante vivia um gigante,
Que possuía ouro, um castelo, escravos.

O gigante vivia a cuidar de seu jardim,
Cuidando de rosas, violetas e margaridas.

Também cavalgava por entre as nuvens
E corria pelos corredores do castelo.

Seus escravos lhe serviam os melhores pratos,
As melhores iguarias vindas do oriente.

Os músicos tocavam os maiores hinos a ele,
Os anjos cantavam naquela paz do salão.

Mesmo assim o gigante estava triste.
Queria alguém para viver eternamente.

Decidiu então descer à terra dos homens
E lá tentar encontrar seu destino.

Caminhou de reino a reino,
Atravessou mares e rios.

Subiu montanhas e
Desceu precipícios.

Quase desistindo, o gigante senta-se em uma pedra
E começa a admirar a formiga que vai passando,
Carregando nas costas o sustendo da vida e o sofrimento dos pobres.

Percebeu então que deveria ficar.
Então o gigante continuou na pedra e ajudou a formiga por toda a eternidade.